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domingo, 19 de junho de 2011

A VIDA SEM EMPREGADA


Por Celia Belem*

A ajuda doméstica está mudando de configuração. Cada dia mais, ela deixa de ser paga e passa a ser negociada: saem as profissionais, entram marido e filhos. Será que dá? Ao longo da vida nos acostumamos a ter sempre ao nosso lado a presença silenciosa (ou ruidosa) de alguém que nos auxiliava a cuidar da casa, das crianças, de tudo. Me lembro da minha infância. Minha mãe dava aulas e tinha pouco tempo para os afazeres domésticos – apenas se dedicava a cozinhar, a pedido do meu pai. Apesar de algumas empregadas não terem ficado muito, a maioria fez parte do meu dia a dia. Até hoje agradeço a elas por toda a dedicação, mas principalmente pelo afeto que me deram. Acreditem ou não, lembro o nome de cada uma delas: Antonieta, Conceição, Lina...

Mas veio a tão batalhada liberdade feminina e com ela a condenação de qualquer tipo de trabalho da porta para dentro de casa. Parecia que ele era o responsável pela falta de independência e ícone de como as mulheres eram presas de uma atividade que não gerava nenhuma gratificação pessoal ou financeira, além de demonstar posição inferior aos homens. Não deu outra. As mulheres mais jovens migraram para fora de casa, ou porque queriam se impor ou porque precisavam compor o orçamento. Na época, todo mundo imaginou que esse movimento livraria a mulher do trabalho doméstico, mas a mudança fez com que acumulasse mais funções. Percebido o engano, a solução que se apresentava era óbvia para quem tinha um salário que permitisse: recorrer a uma profissional do lar. Vivi plenamente esse momento e posso dar meu testemunho. Perdi minha mãe quando minhas filhas eram muito pequenas. Já não tinha mais sogra e todas as minhas cunhadas se encontravam na mesma situação. Sempre trabalhei e, por dever de ofício, em jornadas que excediam, e muito, as oito horas regulamentares. Assim, era praticamente impossível dar conta da casa. Dentro dos meus limites, minhas maiores preocupações eram as crianças e a alimentação familiar – nada mais. O resto era responsabilidade da empregada. Ah, como sou grata a elas...

Homens do lar

Outro resultado consistente: as reclamações são maiores entre as mulheres que trabalham e não têm auxílio doméstico, remunerado ou não, como o dos filhos e eventualmente da mãe. Em raríssimos casos, há maridos solidários nesse setor. Será que só as mulheres mudaram? Vamos ter de criar uma nova divisão. Caso contrário, seremos embriões de toda uma geração de donas de casa desesperadas. Não é por aí. Vejo um futuro em que a casa será encarada como uma responsabilidade familiar, e não exclusivamente da mulher. Mesmo quem não trabalha fora deixou de ser amélia – não há mais esse peso. Neste momento, começamos a pedir que os homens percorram o caminho inverso, aquele que os leva para dentro de casa. Para dar certo, invariavelmente praticaremos o desapego, abdicando, quem sabe, da coordenação, do jeito próprio de fazer as coisas. É uma equação delicada. Nossas filhas, acostumadas à presença do auxílio doméstico, em geral não dão importância a essas tarefas. Foram criadas sem se preocupar com elas e sem treinamento para exercê-las. Portanto, não têm recursos para se transformar da noite para o dia em responsáveis pelo lar. Nem desejam. Por outro lado, a nova geração de meninos parece ser mais cúmplice, porque aprendeu assim. Mas será que eles estão preparados para uma ajuda regular e não eventual? E os horários de trabalho do casal? Ninguém tem condições de compartilhar essas tarefas se chega às 9 da noite. Sem contar os sábados e domingos, quando se leva trabalho para casa. Isso também pedirá um ajuste.

Tarefas de sobra

Como eu, muitas mulheres enfrentavam os mesmos problemas trabalhando ou não fora. O tempo não minimizou as questões. Ao contrário, a evolução feminina multiplicou atividades e funções, incluindo ocupações antes exercidas pelos homens (pagar contas, deixar o carro no mecânico). Sem esquecer, claro, da altíssima demanda social para a manutenção da beleza e da aparência. O crescimento dos filhos não significou menos preocupação, porque as mudanças sociais entregaram mais e mais tarefas. O principal: nós nos negamos veementemente a recusá-las. Em vez disso, cumpri-las passou a ser defesa da honra, a fazer parte de um demonstrativo de eficiência. Então vieram as décadas de 70, 80 e 90 – e com elas uma curva ascendente do contingente de empregadas mensalistas e diaristas nas grandes cidades brasileiras. Daí começou uma virada nas estatísticas. O número de domésticas, provavelmente, se encontra hoje no nível mais baixo – e tende a decair mais ainda. Segundo o IBGE, 1,613 milhão de mulheres trabalhavam como empregadas domésticas no Brasil no ano passado, número 2,4% inferior a 2009. Com menor oferta e mais procura, os salários cresceram. Em dezembro de 2010, estavam na faixa de 568 reais por mês, 5,9% a mais em relação ao mesmo mês de 2009. Para ter uma ideia, o rendimento médio do brasileiro aumentou apenas 3,8% no período. O desenvolvimento do país, a elevação do nível de escolaridade, claramente maior entre as mulheres, e a mobilidade entre classes sociais desenham um novo movimento feminino de libertação. Quem antes nos ajudava agora quer e merece seguir outra carreira e deixar para trás a vida sacrificada da mãe que foi doméstica. Temos aí um cenário de mais justiça social. Aquelas que ficarem no ramo ganharão mais, como as raras empregadas nos Estados Unidos e na Europa. É interessante refletir para onde estamos caminhando, já que a falta dessas profissionais nos obrigará a encontrar outras formas de utilizar o espaço familiar e de viver nele. Podemos criar novos jeitos de cuidar da casa, mas ficar obcecada e dar a vida por ela é um valor vencido. Não volta mais. Digo isso porque meu trabalho me leva às capitais do Brasil para conversar com mulheres de todas as idades e classes: não importa onde, de Belém a Porto Alegre, a grande reclamação das mulheres é a rotina doméstica, a execução de tarefas repetitivas sem fim, o não reconhecimento familiar, a necessidade de ser criativa ao cozinhar cotidianamente e assim por diante.

Missão afetiva

As perguntas são muitas, e as respostas apenas vislumbradas. De qualquer forma, por mais difícil que possa parecer, é possível que essas mudanças produzam um conceito novo de família e tragam uma cumplicidade que vem se perdendo em meio a tantas dificuldades de tempo, conversas eventuais e muito individualismo. Hoje, os projetos parecem estar concentrados na aquisição de bens e serviços, e não nos relacionamentos. Nesse sentido, para mim, as empregadas que estão conosco por muito tempo cumprem funções silenciosas: fazer a liga entre os membros da família, cuidar de algumas áreas porque simplesmente não temos como, mimar os filhos lavando uma determinada roupa ou fazendo uma comida desejada, permitir que exista entretenimento fora de casa para os pais. São tarefas quase afetivas. Sem as empregadas, elas voltarão para nossas mãos. Mas, se encararmos o desafio, podem advir daí famílias mais unidas, mais amorosas. Torço para que essa nova forma de viver possa aproximar as pessoas em torno de um objetivo comum, com chance de gerar outros tipos de companheirismo que, se bem elaborados emocionalmente, construirão relações de melhor qualidade e maior solidariedade. Buscaremos outras metas positivas para todos os envolvidos. Portanto, queridas, tudo indica que nossas boas alternativas se restringem a mudar ou mudar. Uma coisa é certa: de um jeito ou de outro – e para sempre – as mulheres, mais conscientes do seu novo papel, deixarão de fazer a eterna pergunta, que é um pedido de auxílio pessoal, como se a responsabilidade pelas tarefas da casa e pela família fosse só delas: “Meu bem, será que você pode me ajudar?”

* A socióloga Celia Belem é proprietária da consultoria Arquitetura do Conhecimento, em São Paulo



DAQUI!

2 comentários:

Mari disse...

Ameiiii..Sempre pensei assim....bjusss

Anne Lieri disse...

Soninha,um excelente artigo,mas não abro mão de uma faxineira pelo menos uma vez por semana!Bjs,

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